Mundo projetado é mundo idealizado. Ideal étudo aquilo que compões o objeto de nossa mais alta aspiração. O ideal pode ser muito ser muito benéfico na vida humana porque ela a movimenta constantemente.
O ideal o projetado, só tem sentido para a vida humana se ele conduz para o movimento que a aprimora. Em outras palavras: o sonho só vale a pena se estiver preso à realidade.
Ainda na perspectiva dos malefícios que o mito do amor romântico provoca na vida das pessoas, continuamos a identificar a idealização do outro como forma de sequestro. A literatura que socializa a mentalidade do mito do amor romântico, perfeito, assegura que a pessoa ideal existe.
Essa mentalidade é responsável pelas relações tão marcadas pela transitoriedade nos dias de hoje. Pessoas se elegem e se desprezam com muita facilidade. É a vida e suas relações tão estranhas.
Uma coisa é certa: nós sabemos quem somos, mas os outros nos imaginam. No ato de imaginar, o outro constrói a pessoa ideal, e essa pessoa ideal não existe, pois o próprio conceito já nos diz. Ideal só existe na idéia. Não existe pessoa ideal e sim pessoa certa. A pessoa certa condensa defeitos e qualidades, e a somatória de tudo resulta uma realidade pela qual o outro se apaixona.
Tudo que é "certo" refere-se a uma forma de regularidades.
"Certo" também diz respeito àquilo que é verdadeiro. Pois bem a verdade não é a expressão de perfeição, mas a demonstração da realidade como ela é. A verdade é a coerência estabelecida entre o discurso e a realidade sobre a qual o discurso foi feito.
Essa perpectiva é muito interessante. Aquilo que digo ser o outro não condiz com sua realidade. O outro não é absolutamente o que eu falei sobre ele. Ele é fruto de uma projeção.
Quando o encontro supera essas expectativas, e as pessoas descobrem a graça de se olharem como são, a relação passa a ser construída a partir da verdade de cada um. A regularidade do conhecimento, da conquista e a constante vigilância para que a verdade prevaleça favorecem o surgimento de um amor maduro e sem idealizações. E a somatória de defeitos e qualidades. O resultado final é fator decisivo para saber se a relação é satisfatória ou não.
O grande problema é que a idealização provoca uma compreensão equivocada do amor. Na idealização, o amor é reduzido à paixão. A paixão é uma ante-sala do amor.
A paixão sobrevive de idealizações e o amor sobrevive da realidade. A paixão sobrevive do prazer. Já o amor sobrevive do desejo. Paixão só aprendeu a ficar por pouco tempo. O amor gosta de permanecer a vida inteira.
O processo que nos leva a conhecer outras pessoas sempre começa em visões de superfície. A profundidade só é alcançada à medida que avançamos os territórios do outro.
A paixão é o resultado da primeira vista, dos primeiros detalhes do território encontrado, da mesma forma como antipatia natural.
O amor só pode acontecer nas pessoas que atravessaram a ante-sala da paixão. Somente depois de conhecidos limites e virtudes é que o amor é real.
É por isso que relações humanas são como pontes.
Pontes são simbólicas. Elas estabelecem vínculos. Por elas cruzamos os obstáculos que dificultam a nossa chegada ao outro lado.
É a atitude simbólica, que constrói e facilita os vínculos.
Obra: Quem me roubou de mim? O sequestro da subjetividade e o desafio de ser
pessoa.
Autor: Fábio de Melo
Pág. 119-123
Editora.Canção Nova.