Deus mora nas surpresas e no inesperado. Sempre me deparo com suas ciladas criativas.
A última Dele em minha vida foi na abertura do Coração Solidário 2005 da Canção Nova..
Fui convidado para ser um dos apresentadores.
Chegando lá, pude encontrar-me com as crianças do projeto Pró-Queimados..
A cilada começou ali. Aos poucos fui percebendo os reais motivos de Deus ter me levado ali, naquela noite.
No meio daquelas crianças, um menino me chamou a atenção. Era o mais mutilado pelas queimaduras...
Daniel, este é o seu nome, nome de profeta..
Quando comecei a olhar para o Daniel era como se houvesse alguma forma de magnetismo. Um olhar prendendo o outro.
Ele me olhava com timidez, mas sorria o tempo todo.
Aos poucos fui percebendo, que nas desfigurações físicas do Daniel eu estava reconhecendo e descobrindo as desfigurações da minha alma.
Aquela pele marcada, aquele aspecto trágico, parecia perder a força, no momento em que o sorriso do Daniel acontecia.
Os olhinhos vivos, a timidez quase poética, a voz mansa, os dedinhos queimados pelo fogo, todo aquele quadro de sofrimento humano despertava dentro de mim, um sentimento que até então eu não havia conhecido com tanta intensidade: o desejo de ser pai.
Naquele instante, o Daniel me fez visitar algumas regiões do meu coração que eu não suspeitava existir.
Um lugar de intensa e verdadeira gratuidade. Lugar onde não prevalecem as regras da estética, da beleza aparente. Um lugar raro, que até então nenhuma expressão de beleza me proporcionara chegar.
A beleza abre portas. Eu sei disso, mas naquela hora, o menino desfigurado pelo fogo parecia desconsiderar essa verdade. Com sua serenidade desconcertante, ele me segurava pela mão e me levava para conhecer a minha terra prometida.
Eu olhava para o Daniel e tinha desejo de ser o seu pai. Queria o direito de levá-lo comigo, de protegê-lo da vida, dos olhares preconceituosos e das dores que certamente a vida lhe trará.
Queria o direito de fazê-lo dormir, comprar-lhe brinquedos, contar-lhe histórias, levá-lo ao parque, tê-lo por perto...
Daniel é nome de profeta, e esse ao qual me refiro, foi um profeta em minha vida.
Ele me fez lançar os olhos sobre a minha vaidade e no meu jeito mesquinho de lidar com os pequenos problemas do dia a dia.
Fiquei pensando no meu jeito de sofrer. No quanto eu disperdiço minha alegria, ocupando-me de ressentimentos e mágoas.
Depois de ter conhecido o Daniel, o pequeno profeta, eu me convenci de que não tenho o direito de reclamar da vida; e que ajudar a curar os sofrimentos dos outros é uma forma interessante de curar os nossos.
Aquele menino desfigurado, o tempo todo em que esteve ali, não sabia fazer outra coisa, senão sorrir.
Sua mãe me contou que ele é sempre assim...
Depois que ele foi embora eu me peguei sentindo saudades daquele sorriso. Queria vê-lo de novo. Queria descobrir de onde brotam tantos encantos! Queria entender o por quê de um ser humano ser ao mesmo tempo, tão desfigurado e tão lindo!
De onde vem a beleza do Daniel?
Não sei. O que sei é que naqueles olhinhos cheios de viço, Deus resolveu me olhar.
Naquele pouco tempo em que pude desfrutar a presença do meu novo amigo, eu sentia que a minha ordenação sacerdotal acontecia mais uma vez.
E então eu acordei mais padre. E a culpa é do Daniel. Só ele sabe o que ele causou em mim. Espero que um dia ele me conte.
Hoje, antes de reclamar de qualquer coisa, pense no meu amigo. Ele, aparentemente não tem muitas razões para ser feliz... mas é.
Se hoje eu pudesse ter um filho, eu escolheria o Daniel.
Ele pode se orgulhar de uma coisa: Os seus maiores defeitos são todos externos.
É por isso que ele é tão lindo!
Padre Fábio de Melo