O ENCANTO DE SER PESSOA
A palavra pessoa é muito comum entre nós.
A palavra “pessoa”, do latim persona e do grego prósopon, foi amplamente sustentada na cultura como referente aos “disfarces teatrais”, por isso ficou muito associada à personalidade representada pelo ator. O contexto cristão ultrapassou essa concepção e plenificou a palavra para um sentido mais profundo.
Segundo a Antropologia teológica cristã, o conceito de pessoa deve ser compreendido a partir de dois pilares: ser pessoa consiste em “dispor de si” e depois “estar disponível”. Dispor de si é o mesmo que “ser de si, ter posse do que se é”. Esse primeiro pilar refere-se diretamente a tudo aquilo que mencionamos a respeito da subjetividade.
È interessante perceber que a singularidade é um tesouro que não se esgota. Constantemente, vivemos a aventura de desvendar nossos territórios. Descobri não é o mesmo que inventar. Nós já estamos em nós; o único esforço é descobrir o que somos.
Cada pessoa é uma propriedade já entregue, isto é, dada a si mesma, mas ainda precisa ser conquistada. È como se pudéssemos reconhecer: “Eu já sou meu, mas preciso me conquistar”.
A disposição de si é dom. Deus nos entrega a nós mesmos o tempo todo. Torna-se pessoa é aventura constante de busca, e o resultado dessa busca é a disposição de si.
O segundo pilar do conceito de pessoa consiste em “estar disponível”. O que dispões de si estabelece relações. Depois de assumida a propriedade, aquele que possui passa a ter condições de receber visitas. O encontro nos diferencia num primeiro momento para depois nos congregar. No processo da diferenciação está a posse de si mesmo.
Nisso consistem os dois pilares do conceito de “pessoa”. Possuir-se para disponibilizar-se. É a vida na prática, é a trama da existência e sua riqueza insondável. Encontros e despedidas. Antes,a solidão do eu; depois, o estabelecimento do nós. Encontro de pessoas. Um eu que se encontra com um tu e que juntos estabelecem um nós.
Esse processo de agregação possibilita ao ser humano o crescimento de seu horizonte de sentido. Relações saudáveis são relações que nos devolvem a nós mesmo – e, o melhor, devolvem-nos melhorados. O outro, ao passar pela nossa vida, encontra-se com nossa subjetividade. Ao estabelecer conosco uma relação, ele está nos permitindo adentrar o seu território subjetivo. Esse encontro faz surgir uma terceira pessoa, o nós.
O amor talvez seja isso. Encontro de partes que se complementam, porque se respeitam. E, no ato de se respeitarem,ampliam o mundo um do outro.
As caricaturas do amor são prejudicadas porque fazem absolutamente o contrário. Diminuem o horizonte, restringem, aprisionam, seqüestram. Em nome do amor, cometemos atrocidades. Amar não é fazer do outro nossa propriedade. Ninguém é tão completo que seja capaz de preencher totalmente as necessidades do outro. Por isso há modalidades de amor.
O namorado que chega não tem amor de pai para oferecer. Ele não tem amor de mãe , de irmão. Ele é portador de um amor novo que chegou, e por isso encantou, mas não é o amor único.
É nesse momento que necessitamos de muita sabedoria para não nos prejudicarmos com nossos amores. Ele não pode desconsiderar o mundo particular e subjetivo construído antes de sua chegada. Sua presença deverá enriquecer, e não o contrário. Só quem ama tem disposição de ir além da superfície.
No aprimoramento da visão que temos do outro seremos capazes de identificar o quanto amamos, ou não. Quem ma quer conhecer. O objetivo é simples: acrescentar, multiplicar em vez de subtrair.
Não é tão simples saber se o outro nos ama ou não, mas há uma pergunta que podemos nos fazer: Depois que ele chegou, a nossa vida, nosso mundo, diminuiu ou dilatou-se?
Sempre que alguém chega à nossa vida nunca vem sozinho. Ele traz o seu horizonte de sentido. Traz o alicerce que o faz ser o que é.
Casas e apartamentos são construídos a partir dos alicerces, paredes e vigas de concreto. As paredes podem até sofrer alterações, mas as vigas terão que ser respeitadas.
O processo de feitura da pessoa humana é semelhante às construções. Amar alguém consiste em observar onde estão as vigas de sustentação, para que não corramos o risco de derrubar o que a faz permanecer em pé.
Voltamos a dizer: pessoas são semelhantes às construções. Possuem históricos que necessitam ser respeitados. Não acreditamos que alguém se interesse por uma propriedade, ou dela queira aproximar-se, para torna-la pior.
Se nossas relações com as coisas já são assim, cheias de cuidados, muito mais deveriam ser com as pessoas.
É assim que podemos intensificar o nosso processo de “ser pessoa”. ‘A medida que motivamos e somos motivados para o autoconhecimento, tornamo-nos proprietários do que somos e naturalmente colocamo-nos à disposição dos outros. Quando encontramos alguém que verdadeiramente está desbravando seu universo de possibilidades e limites,de alguma forma nos sentimos motivados a fazer o mesmo.
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