EXERCITANDO LIBERDADES:
LIBERDADE FUNDAMENTAL E LIBERDADE ELETIVA
A liberdade está para o ser humano assim como a semente está para a árvore. È potência. É vocação, mas é também luta e empenho.
Quando falamos dessa liberdade que já está no ser humano, mas que precisa ser conquistada, estamos nos referindo a uma liberdade fundamental. Essa liberdade fundamental é elemento constitutivo do ser humano.
Por outro lado, temos a liberdade circunstancial, categorial. Essa experiência de liberdade se dá nas circunstâncias da existência. A vida humana é exercício constante do que chamamos de liberdade eletiva, isto é, liberdade que nos ajuda a fazer escolhas. Essa liberdade é relativa, porque sofre variações. O inegável é que a moldura da vida é composta dessas pequenas escolhas.
Liberdade eletiva é liberdade de toda hora. São as respostas para as perguntas mais simples. Aonde vou? Que roupa usarei? Coisas simples que passam pela nossa eleição de toda hora.
Liberdade entitativa é mais profunda. São as respostas para as perguntas mais fundamentais. O que tenho feito da minha vida? Por que tenho medo? Quem me roubou de mim? Questões mais elaboradas e que deveriam passar o tempo todo pela nossa reflexão.
O interessante é perceber que essas duas formas de liberdade estão naturalmente entrelaçadas. A liberdade mais profunda é construída o tempo todo no exercício das pequenas escolhas.
Quando fico atento às escolhas mais simples, aquelas que todo momento eu realizo na minha história, de alguma forma já posso saber que estou aprisionando ou se estou libertando a minha liberdade fundamental. Se nas circunstâncias da existência faço escolhas que confirmam a minha liberdade fundamental, estou sendo livre.
Mas se nas circunstâncias da minha vida faço escolhas que me aprisionam, estou deixando de fazer aflorar o meu fundamento. A liberdade fundamental depende das liberdades categoriais.
A liberdade fundamental é uma escultura belíssima que todos nós trazemos cravada no mais profundo de nossa condição humana. A liberdade circunstancial, categorial, é a oportunidade que temos de traze-la à tona, ou não.
A experiência humana nos ensina que o amor condensa o poder de fazer o outro ser livre. Amar concretamente alguém consiste em viver a responsabilidade, a proeza de ter que retirar os excessos que ocultam suas belezas. Amar é assumir a responsabilidade de viabilizar o florescimento da liberdade fundamental que há no outro.
Somos históricos, isto é, vivemos situados, contextualizados, e essa experiência histórica é determinante para nossa busca. Creio que seja sempre necessária uma análise minuciosa de nossa influência na vida dos que estão mais próximos de nós.
Nosso jeito de viver pode promover, ou não, a liberdade fundamental daqueles que fazem parte de nosso horizonte de sentido. Se nós dizemos que amamos, então precisamos ser instrumentos de libertação na vida dos que dizemos amar.
Só o amor faz ser livre, porque ele quebra os cativeiros que nos aprisionam. Ele tem o dom de devolver a liberdade, e por isso não há experiência de amor fora a liberdade.
Não podemos acreditar no amor de quem nos aprisiona e nos mantém num cativeiro.
Se Deus nos fez livres, o amor de quem nos encontra pela vida não pode ser contraditório ao amor que nos originou.
De quiser nos amar, se quiser fazer parte de nossa vida, terá que ter diante dos olhos o que somos, o que ainda podemos ser, e não o que lê gostaria que fôssemos.
Estamos em processo de feitura, e Deus nos devolve a nós mesmos o tempo todo. Ele nos devolve pelas mãos históricas de quem nos encontra, de quem nos ama. É o amor humano de Deus, manifestado em minha vida pela força de pessoas concretas, cheias de voz e de gesto.
Essas são as pessoas que nos ajudam a conquistar o que não sabíamos possuir.
Por outro lado, se não somos amados, corremos o risco de sermos roubados de nós.
Se já afirmamos que, pelas mãos humanas, Deus toca em nossa vida, amando-nos no amor humano que nos promover, por outro lado, também podemos dizer que as estruturas diabólicas nos alcançam cada vez que o amor doentio dos outros modifica nossas escolhas e afeta nossa liberdade fundamental.
Uma coisa é certa: quanto maior é o bem que nos provocam, maior é o desejo que temos de ficar perto. O desejo sobrevive assim. O que nos encanta no outro é o que ele nos conseguiu fazer enxergar em nós mesmos. Egoísmo? Não. Apenas o primeiro pilar do conceito de pessoa alcançado uma profundidade ainda maior dentro de nós.
Obra: Quem me roubou de mim?O seqüestro da subjetividade e o desafio de ser
Pessoa.
Autor: Fábio de Melo
Editora: Canção Nova
Paginas:85-89