DOIS CASOS DE SEQUESTRO
O quarto era sombrio, imundo. A vida de quem o habitava também.
Este é o quarto do meu filho!- revelou-me com voz embargada, cheia de tristeza, aquela mulher nem jovem, nem velha. Na confissão quase envergonhada de que aquele lugar estranho era o lugar da casa reservado ao seu filho, a mulher parecia pedir socorro, como se estivesse contando ter descoberto o lugar do cativeiro do filho seqüestrado. Não, não era um lugar distante dos seus olhos. Era dentro da sua própria casa que os seqüestradores mantinham o seu filho amado em condições inumanas.
As drogas o seqüestraram. O vício chegou de mansinho, assim como tudo na vida. A droga o fez assumir uma personalidade estranha, alheia, porque provocou nele o esquecimento de quem ele era. Seqüestro da subjetividade. Nem sempre é preciso levar o corpo, acorrentá-lo de maneira concreta, real. Viciados não se pertencem mais. Estão sujeitos a uma necessidade que se opõe à liberdade.
Outra história. Ela era uma moça bonita. Beleza não convencional. Tinha quinze anos quando conheceu o rapaz. O encanto tem o poder de cegar os que estão encantados..Os encantadores sabem disso. Pouco a pouco, ele foi invadindo a sua casa, a sua vida, os seus valores. Aquela que até tão pouco tempo brincava de boneca agora tinha nos braços uma criança de verdade. Maternidade prematura. Ela era apenas um objeto de sua satisfação. Ela deixava que fosse assim. Não tinha forças para discordar. O encanto ainda continuava.
Aquele rapaz não lhe deixara apenas um filho. Deixou-lhe também a dependência química do álcool. Dezesseis anos, mãe e alcoólatra. Numa manhã iluminada de setembro, ela apareceu morta, vítima de overdose, na garagem de sua casa.
Dois exemplos clássicos de seqüestro da subjetividade. Seduções que resultaram em tragédias.
O processo é simples assim. O seqüestrador afasta sua vítima de tudo o que para ela representa segurança. Quanto maior a insegurança, maior será o seu domínio.
Representar o papel que o outro escreveu é o mesmo que abdicar do direito de escrever a própria história, o próprio enredo. É permitir que a máscara seja colada na cara, ocultando assim o que se é.
O conceito de pessoa, proposto pela reflexão cristã, é profundamente enriquecedor. Ele é estabelecido a partir de dois pilares, que serão tratados agora.
Obra: Quem me roubou de mim?
Autor: Fábio de Melo
Páginas-54-58
Editora: Canção Nova
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