A VIDA SOB O FOCO DO DESEJO
Toda vez que identificamos um amor que realmente nos fez crescer na vida, de alguma forma queremos preserva-lo. São amores que se preservam pela força do desejo.
Desejo é uma palavra sugestiva. Ela já despertou muitas reflexões interessantes.
Para a Filosofia, o desejo é uma forma de tensão que direciona o ser humano para alguma finalidade. Platão e os filósofos cristãos associaram o desejo à imperfeição dos seres. Só deseja aquele que carece. E carecer é o mesmo que ser imperfeito, limitado. Talvez seja por isso que o termo “desejo” tenha sido tão mal interpretado pelo contexto religioso ao longo dos tempos. O que vimos foi a direta associação de desejo e pecado.
A Filosofia budista compreende o desejo como sério obstáculo à realização humana. O nirvana é justamente um estado de espírito em que o ser humano alcança a supressão dos desejos. Entra numa espécie de nada querer, nada desejar.
A Psicologia nos diz que somos o tempo todo território dos desejos. Freud é uma referência para este assunto.
Lacan, grande nome da Psicologia, sugeriu que a duração de um desejo está diretamente relacionada á sua satisfação.
Pois bem, as especulações são muitas. Nosso objetivo é retomar o contexto do desejo como realidade humana que não se opõe á felicidade e á construção da pessoa; desejo como motor que nos leva pelas tortuosas estradas de nossa realização.
Uma coisa é certa. Vivemos constantemente o ciclo dos desejos. Enquanto estivermos vivos, seremos seres desejantes. Quanto mais desejamos, maior é a sensação de estarmos vivos.
O desejo perpassa todas as nossas relações. O que nos faz querer estar ao lado de alguém é o desejo.
Retomemos a reflexão de Martim Buber. O que gostamos no outro é o que sobra do encanto que realizamos com ele.
A permanência nas relações sinaliza que o desejo está vivo, que ele foi mantido, que não morreu com o passar do tempo. Vivemos em torno dos nossos desejos. Eles nos movem para irmos além.
Existem desejos temporários. Passar no vestibular, por exemplo. Depois de alcançado, ele se transforma em desejo de fazer faculdade.
Quando falamos de pessoas e suas relações, de alguma forma estamos falando também de desejos temporários e desejos permanentes. Relações duradouras são aquelas que o desejo sustentou, isto é, ainda que tenha um desdobramento do desejo, percebemos existir um detalhe fundamental, um foco que permanece.
A relação é duradoura á medida que o foco do desejo permanece.
É interessante identificar que a e permanência do desejo está intimamente ligada á preservação do mistério e da sacralidade da relação.
E porque sabemos que o outro está sempre em movimento, precisamos viver o constante processo da conquista, ainda que nossas relações já tenham ultrapassado a idade dos cinqüenta anos.
Essa reflexão nos liberta dos malefícios do mito do amor romântico, onde os personagens sempre perfeitos vivem felizes para sempre.
Precisamos entender que não existe ser humano ideal. O que existe é o ser humano certo. O ser humano certo tem defeitos, qualidades, e na soma de tudo é um resultado em que você resolve acreditar.
O grande equívoco dos nossos dias é estabelecer as relações humanas a partir das substituições. Queremos que o outro seja a concretização humana de nossas idealizações. Hoje nos satisfaz e amanhã não mais. Trocamos. Tentamos de novo.
O que podemos identificar nessas paixões é que as pessoas não são focos de desejo, mas se limitam em ser foco de prazer. Quando o outro cumpre o papel de ser objeto do meu prazer, eu reduzo á condição de coisa. Essa “objetificação” já se caracteriza como seqüestro.
Obra: Quem me roubou de mim” O seqüestro da subjetividade e
O desafio de ser pessoa.
Autor:Fábio de Melo
Editora Canção Nova
Páginas : 93-97