A VIDA SOB O FOCO DO PRAZER
Uma das principais características do mundo contemporâneo é a busca do prazer. As pessoas não são mais afeitas aos sacrifícios do passado, às demoras de outros tempos. O tempo de demoras já se foi.
Comida rápida, serviços rápidos, porque a vida não pode nos esperar. Falaremos mais detalhadamente sobre isso mais à frente.
Os programas de televisão anunciam, o tempo todo, as novidades do mercado. Aparelhos que prometem emagrecer os gordos sem que eles saiam do sofá. Injeções milagrosas que fazem crescer músculos em corpos magros. Cirurgias que retiram as gorduras. Enfim, uma infinidade de promessas mágicas.
A literatura das bancas também se ocupa desses milagres. Livros que prometem receitas de felicidade, mesmo que os autores andem sempre mal-humorados.
Neste mundo de tantas pressas, não há espaço reservado para o discurso que exige calma e tranqüilidade para ser entendido. Celebridades sem nenhuma opinião formada aparecem nas telas em rede nacional para repetir seus discursos tolos sobre questões tão sérias. Gente que posa nua nas revistas e se tornam referência para nossos filhos. Um povo precisa de cultura, informação e entretenimento de qualidade. Um povo que passa a gostar do tosco, porque só isso lhe é oferecido.
Cantores que nunca aprendem a cantar repetem, no programa de grande audiência, versinhos que ferem a inteligência e o bom gosto de uma nação que não sabe mudar de canal. Enquanto isso, nossos reais valores, compositores de altíssimo nível, cantores e cantoras de excelente nível técnico e artístico se tornam atração para poucos, porque a grande massa nem sabe que eles existem.
Este é o paralelo entre desejo e prazer. O desejo é mais profundo que o prazer. Ele precisa de tempo para ser despertado e vivido. O prazer não. É produto rápido. É igual carboidrato de absorção rápida, que não leva tempo para ser assimilado pelo organismo. Desejo é alimento integral, demora para fazer a digestão, e por isso alimenta por mais tempo.
O prazer é poço sem fundo. É circulo vicioso. O desejo, ao contrário, cria permanência, porque acalma.Ele movimenta para novas buscas, mas não desorienta.
É muito comum encontrar entre alunos que se preparam para o vestibular os resumos das obras que serão abordadas nas provas de literatura. Para que ler a obra completa se podemos ler só o resumo? Essa é a pergunta prática que geralmente é formulada por quem ainda não sabe desejar. Literatura, antes de combinar com prazer, combina com desejo. Prazer é conseqüência do desejo que vem antes.
O desejo é mais profundo, pertence ao mundo dos significados, das realidades que são definitivas. O prazer é mais raso, transitório, e por isso é tão pouco realizador.
O bom é conjugar os dois. Desejo e prazer.
O desejo mantém dinâmica da conquista,É o desejo de ir sempre além, de não perder o fio da vida, o visgo, o significado.
Prazeres temporários não podem ser definitivos para nós. Se eles passaram, é necessário prender-se no desejo. O importante é que a gente não coloque os prazeres acima dos desejos.
Corpos perfeitos despertam prazeres, mas nem sempre despertam desejos. O desejo é o que nos faz respeitar a sacralidade que há no outro. O prazer é um impulso rápido. Já o desejo é um impulso de demoras. É feito de vagarezas.
Cada vez que identificamos nossa incapacidade de manter acesa a chama dos nossos desejos, e percebemos que somos afeitos à manutenção de prazeres transitórios, revela-se diante de nossos olhos a oportunidade de romper com mais essa forma de seqüestro da subjetividade, tão comum nos nossos dias.
A mentalidade que apregoa a vida fácil, sem esforços, é instrumento de manutenção social de pessoas apáticas sem poder de transformação. Há uma constante socialização da idéia que o sacrifício não deve mais fazer parte da vida humana, e que a felicidade consiste em suprimir qualquer realidade que possa nos desinstalar ou provocar sofrimento. Vida sem sacrifício é vida anestesiada, irreal, fortemente marcada pelas estruturas romanceadas dos contos de fadas e pela visão mágica da realidade. Estamos diante das conseqüências do “mito do amor romântico”.
Obra: Quem me roubou de mim? O seqüestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa
Autor: Fábio de Melo
Editora: Canção Nova
Pág.97-102